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quinta-feira, 5 de março de 2009

Meninas de 12 anos tiram sustento do sexo e têm infância roubada




Já ao amanhecer, elas são vistas vendendo o corpo nos bairros de NH. VEJA VÍDEO DE ENTREVISTA

Débora Ertel e Robson Nunes/Da Redação

Novo Hamburgo - O corpo franzino ainda é de menina, mas o caminhar sensual lembra uma mulher. As roupas curtas e a pequena bolsa denunciam o modelito comum de mulheres que ganham a vida vendendo o corpo. No entanto, o serviço é oferecido por adolescentes entre 12 e 17 anos. Basta o dia amanhecer que elas já estão lá, prontas para receber o cliente, no bairro Rondônia. O ponto é conhecido por quem passa pelo local. O encontro pode ser no carro, num motel ou na área verde localizada na esquina do ponto de trabalho. O matagal tem várias trilhas e não é difícil encontrar preservativos usados espalhados pelo chão. Entre os clientes, não há diferença de raça, idade ou classe social: todos os públicos procuram pelas garotas.

No Município, são pelo menos quatro locais onde estas cenas se repetem: Canudos, Kephas, São Jorge e Boa Saúde. Autoridades como Conselho Tutelar, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), Delegacia da Mulher e Brigada Militar têm pleno conhecimento dessas situações, mas têm dificuldades em solucionar casos como esse.

Moradores contam que a prostituição infantil ocorre no bairro Rondônia há pelo menos um ano e meio. As meninas chegam de manhã cedo, em torno das 7 horas, e ficam até o sol de pôr. Para chamar atenção de quem passa pela rua, uma das vias mais movimentadas de Novo Hamburgo, elas ficam caminhando de um lado para outro. Basta algum homem aparecer para a negociação de valores começar.
No ponto do Rondônia, pelo menos quatro adolescentes realizam programas diariamente, e algumas, conforme relatos, utilizam drogas para aguentar a jornada de trabalho. "Às vezes elas descem de um carro e já tem outro aguardando. Dias atrás, uma ficou dançando no meio da rua. Parecia que estava alucinada", descreve um morador próximo do ponto.

As adolescentes que moram no bairro reclamam que frequentemente são confundidas com as meninas que fazem programa. "Os motoristas param e nos perguntam quanto custa a hora." De acordo com os moradores, uma garota tem feridas nas pernas há meses, e mesmo assim, não para de se prostituir. "É uma realidade muito triste", lamenta um deles.

Por trás do drama, a epidemia do crack

Um dos incentivos para que essas meninas prostituam-se precocemente é o consumo de crack. A conselheira tutelar de Novo Hamburgo Roberta Soares Corneli diz que a droga, que ganhou status de epidemia no Estado, as motiva a vender seus corpos. "Elas estão se prostituindo para usar a droga. Falam coisas obscenas e chegam a se despir no meio da rua", revela.

É a partir de denúncias encaminhadas aos Conselhos Tutelares que a vida dessas meninas ganha a perspectiva de mudar. A conselheira tutelar Roberta Soares Corneli confirma que diversos moradores já cobraram providências a respeito da prostituição infantil. O órgão chegou a receber um abaixo assinado na terça-feira passada, encaminhado por moradores do bairro Rondônia, pedindo uma solução ao problema. O caso chegou à Brigada Militar, que diz ter reforçado o policiamento da área. "Vamos investigar se há alguém explorando os serviços das menores", compromete-se o capitão do 3.º Batalhão de Polícia Militar, Felipe da Silva Breunig.

A conselheira acrescenta que já fizeram diversas intervenções e internações e constataram se tratar de jovens de 12 anos ou mais, algumas até de fora da cidade. "Fazemos a abordagem, encaminhamos para atendimento, mas algumas voltam para a rua".

A titular da Delegacia para a Mulher de Novo Hamburgo, Rosane de Oliveira, explica que prostituição não é crime, mas o favorecimento a essa prática é. Ao serem interrogadas, essas garotas costumam não falar a verdade. "Dizem que estão ali porque querem, que a pessoa é boa com ela. Mas sabemos que isso não é bem assim", diz, acrescentando que casos de aliciamento estão sendo investigados.

Falta estrutura familiar

Para a professora de Psicologia Clínica da Unisinos Carolina Lisboa, a miséria econômica e a falta de estrutura familiar são fatores que contribuem à entrada das jovens na prostituição. A profissional explica que em regiões pobres, pais comercializam as próprias famílias como maneira de garantir renda.
De acordo com Carolina, meninas que sofreram abuso sexual têm o desenvolvimento mental e físico lesados. "Como elas são chamadas para um exercício sexual precoce, tendem a fazer confusão sobre a sua sexualidade", ressalta.

Conforme a psicóloga, meninas que se prostituem vivem um conflito entre culpa, satisfação sexual e uma não satisfação por estar vendendo o corpo. "Esse conflito não é acessível a elas, pois não ocorre no consciente", diz. Carolina explica que a prostituição funciona como uma indústria onde cafetões exercem um grande poder de sedução. "Os cafetões e cafetinas viciam as meninas para que elas fiquem presas a eles, pagando a droga com a prostituição."

A especialista acredita que se as meninas receberem apoio da sociedade, poderão mudar de vida. Para a profissional, as jovens precisam ser acolhidas em casas especializadas, onde tenham uma outra ocupação, com cuidadores presentes e exemplo positivos para se espelhar. "As pessoas são muito preconceituosas. É preciso acreditar no potencial delas em mudar."

Município estrutura trabalho preventivo

A promessa da titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Novo Hamburgo, Jurema Guterres, é criar em breve o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) para realizar trabalhos de prevenção e auxílio a situações de prostituição infantil e problemas sociais em geral. "Servirá para atender situações de violação dos direitos das pessoas". Segundo ela, é preocupante ter meninas vendendo seus corpos nas ruas. "Teremos atendimento especializado, uma equipe de psicólogos, assistentes sociais que buscam proteger a criança e resgatar o vínculo com as famílias".

A psicóloga e coordenadora do Programa Sentinela (grupo criado para atuar em situações de violência e exploração sexual de crianças), Anete Cunha, relata que poucos casos chegam até a entidade. "De 2005 pra cá tivemos apenas seis situações que vieram até nós como efetivos de prostituição infantil".
De acordo com Anete, que também atua no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), todos os casos foram trabalhados com sucesso. No entanto, o Serviço Sentinela recebe, na maioria das vezes, situações de exploração e abuso, o que em determinados casos acaba levando as meninas à prostituição. "É preciso todo um esforço de uma rede de atendimentos para que o trabalho seja efetivo e que elas não voltem a se prostituir", considera.

Fotos: Luís Félix/GES.

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