A defesa de Carlos Cruz pediu hoje a absolvição do apresentador no caso Casa Pia, afirmando que todo o processo nasceu de uma mente "visionária": a do procurador do Ministério Público João Guerra, que chefiou a fase de inquérito.
"[João Guerra] é o responsável pelo que aconteceu. Contou com gente incapaz à sua volta. O processo só foi possível porque o Ministério Público actuou como visionário, alguém que tem uma visão e a persegue sem olhar a meios porque acredita nela e passa por cima do elementar", disse o advogado Ricardo Sá Fernandes na conclusão das suas alegações finais.
Pelo meio, reiterou as críticas que já tinha feito à investigação, nomeadamente ao que considera as deficiências nos interrogatórios aos alunos da Casa Pia que foram alegadamente vítimas de abusos sexuais por parte dos arguidos e a falta de investigação à volta dos locais onde supostamente ocorreram esses mesmos abusos.
"Isto não podia ter acontecido. Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso e conhecimento da experiência humana teria que ir aos locais, ouvir as pessoas, ver quando foram construídas as casas [onde alegadamente ocorreram abusos]. Isto só não foi feito porque o estado de histeria era tão grande que não valia a pena ou porque havia o medo de que esses elementos contrariassem as acusações feitas aos arguidos", afirmou, acrescentando que "não houve o discernimento de parar para pensar e isso é de uma enorme gravidade e terá que ser apurado em momento próprio".
O advogado do apresentador de televisão voltou ainda a referir a influência no processo de "uma comunicação social sedenta de protagonismo, lucro e audiências" e de "conjuradores" como a ex-provedora da Casa Pia Catalina Pestana, que acreditaram nos testemunhos dos jovens "sem espírito crítico", lançando-se "numa cruzada para a qual não tinham qualquer fundamento".
"Racionalidade, racionalidade, racionalidade", pediu o causídico ao tribunal, afirmando que será esse o "caminho certo para que se faça a justiça de inocentar quem está inocente".
Referindo-se a pressões sobre o colectivo que julga este caso para que decidam pela culpa dos arguidos porque de contrário "a Justiça ficaria desacreditada", Ricardo Sá Fernandes afirmou que "a única justiça que interessa aqui é a deste caso concreto".
Para a defesa de Carlos Cruz, o único desfecho aceitável do julgamento será "absolver, porque qualquer outra decisão seria injusta e intelectualmente inaceitável".
Ricardo Sá Fernandes disse esperar que haja resposta às suas alegações por parte do Ministério Público, representado pelo procurador João Aibéo, e por parte do advogado das vítimas de abusos sexuais da Casa Pia, Miguel Matias, cuja argumentação disse valer "zero, do ponto de vista intelectual".
O advogado considerou que ambos trouxeram a julgamento apenas "a fé e pressuposto" de que os arguidos são culpados, aplicando-os "mecanicamente".
O defensor de Carlos Cruz desafiou também o advogado que representa os jovens casapianos a permitir que seja aceite no julgamento a leitura dos depoimentos que aqueles que acusam Carlos Cruz e os outros arguidos prestaram em fase de inquérito.
"Faço um último apelo para que revejam essa posição [de impedir a leitura], porque não é aceitável que se tranquem as declarações nos inquéritos", declarou.
Quanto aos jovens que acusam Carlos Cruz e os outros arguidos, Ricardo Sá Fernandes afirmou: "Oxalá venham à leitura da sentença".
"Entendemos esse estatuto de vítimas, esse é um problema moral que todos temos. Não os abandonaremos. Carlos Cruz aceita e respeita esse estatuto. Mas é preciso que entendam que não é porque se constrói uma história, e jornalistas depois nos apaparicam, que atingimos o que queremos", disse.
Na conclusão das suas alegações finais, Sá Fernandes aludiu a vários casos ocorridos nos Estados Unidos, França e Itália em que acusações de abuso sexual feitas por várias crianças a diversos arguidos, tal como no caso Casa Pia, vieram a revelar-se falsas.
Em alguns casos houve pessoas presas durante vários anos e outras que chegaram a suicidar-se na prisão, algo em que, afirmou o advogado, o processo Casa Pia não chega a ser tão grave.
No entanto, disse que o processo foi mais grave porque "era fácil tê-lo deslindado", acrescentando que "isto passa-se no centro do país e movimentaram-se meios como antes nunca tinha sido feito".
"Onde era suposto termos o melhor, tivemos o pior", disse Sá Fernandes, insistindo em que os responsáveis pelo inquérito aceitaram como verdade "uma fantasia adolescente, numa investigação com erros sistemáticos e grosseiros, com o apoio intensivo da Comunicação Social".
"Isto diz muito da nossa irracionalidade e atraso", disse, pedindo ao tribunal que na fundamentação do acórdão que venha a proferir "explique às pessoas o que aconteceu".
Além de Carlos Cruz, estão em julgamento por crimes sexuais o médico João Ferreira Diniz, o embaixador Jorge Ritto, o advogado Hugo Marçal, o ex-provedor adjunto da Casa Pia, Manuel Abrantes, o antigo motorista da instituição Carlos Silvino e Gertrudes Nunes, proprietária de uma casa em Elvas onde alegadamente ocorreram alguns abusos.
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Quarta-feira 14 Janeiro de 2009